Entrevista com Padre Luigi Médici, pioneiros dos missionários Xaverianos no Brasil


Entrevista com o Claudinei no dia 02 de agosto de 2004.

Como foi a sua infância e quais foram os fatos que podem ter fornecido o surgimento de vocação religiosa?

Nasci no dia 13 de janeiro de 1920 numa cidadezinha do norte da Itália.
Os primeiros dias foram felizes pois tínhamos casa própria e um nível de vida de classe média de então. Meu pai era mestre de obras que, infelizmente pela sua bondade, caiu na falência
quando eu tinha apenas seis anos. Deixou a viúva com seis filhos pequenos e sem recursos.
Minha mãe era uma mulher muito piedosa e educava os filhos na prática religiosa convicta no temor de Deus.
Tenho uma lembrança inesquecível de meu pai. No momento de sua morte fez questão de me ver. Foram procurar-me na escola onde estava cursando o quarto ano do primário e quando me viu, sorrindo, disse estas palavras: “Oh! O meu pequeno padre!” e, reclinando a cabeça, faleceu.
Está lembrança me acompanhou em cada passagem da minha vida. Não tenho receio em declarar que foi naquele momento que foi lançada no meu coração a semente da vocação religiosa.

Porque a opção pelos missionários Xaverianos?

Durante a última grande guerra os seminários diocesanos eram visitados repetidamente por vários padres das congregações missionárias que, não podendo voltar as suas missões faziam animação missionária entre os futuros sacerdotes diocesanos.
Entre eles apareceram também alguns missionários Xaverianos falando de sua missão na China. Isto me fascinava e me fez lembrar que nos anos de 1928-30 quando ainda era coroinha, um padre xaveriano, meu concidadão que tinha voltado da China, após as missões, ficava tempo comigo para satisfazer a minha curiosidade sobre sua missão e suas façanhas; me dava feixes de revistas de sua congregação que eu lia com avidez e me fazia sonhar de me... tornar como ele.
Agora o germe lançado naquele tempo dava o seu fruto.

Porque a vinda ao Brasil? Foi um projeto pessoal ou da congregação?

Depois da grande guerra, na congregação havia muitos padres mais velhos do que eu esperando para serem enviados ás missões, aliás eu era um dos recém ordenados. Depois de longos nove anos de espera pedi ao superior geral que me enviasse as missões no exterior. Ele me perguntou: “Onde você quer ir?” Respondi logo: “Japão” , ele retrucou: “esta certo, você irá ao Brasil!”. Não foi portanto uma escolha minha, mas uma simples obediência religiosa ao superior. Dois meses após este diálogo já estava na terra de Santa Cruz.

Desenvolveu algum trabalho antes de vir ao Brasil?

Sim. Trabalhei durante nove anos na animação missionária como administrador do escritório da imprensa missionária da congregação no pós-guerra. Tínhamos uma revista missionária para todos, outra para jovens, outra para familiares e benfeitores e outra pra professores católicos das escolas italianas. Chegamos até a montar uma tipografia para editar as nossas produções.

5)Como foi o inicio do seu trabalho no Brasil?

Cheguei em Curitiba vindo da Itália após uma longa venturosa viagem de avião a élice, em novembro de 1954. No dia 2 de janeiro seguinte fui enviado para São Paulo para iniciar nesta cidade uma atividade de animação missionária. Fiquei sozinho, sem conhecer ninguém, sem possuir a língua portuguesa sem ter um lugar onde pousar a cabeça e completamente sem dinheiro. Foram os capuchinhos que me hospedaram nos casebres de andarilhos onde fiquei por uma semana. Em seguida Dom Paulo Rolim Loureiro, Bispo auxiliar em São Paulo, enviou-me na paróquia Nossa Senhora de Sião no alto do Ipiranga para ajudar o padre Carlos Giele, vigário, que adoeceu poucas semanas depois e assim eu fiquei sozinho naquela grande paróquia.

Quais foram os trabalhos desenvolvidos no Brasil?

O missionário que deixa a sua pátria tem como prioridade a evangelização mas, ao mesmo tempo deve ser apto a incentivar a promoção humana dos povos onde foi enviado. Por isso comecei desde os primeiros tempos em São Paulo uma obra para tirar menores de rua por meio do "centro comunitário de promoção do menor", obra que ao longo destes 50 anos desenvolveu-se em vários grupos que ainda estão funcionando nas cidades de São Paulo e Curitiba.
Como filho de pedreiro mestre de obras não podia também deixar de construir alguma coisa. Assim dediquei-me a construção dos seminários Xaverianos em Jaguapitã, Santa Mariana, no Paraná e também da atual sede de direção Regional dos Xaverianos na Vila Mariana em São Paulo. No campo pastoral fui vigário em três grandes paróquias, a saber: Jaguaritã- PR, Laranjeira do Sul- PR e Santa Mariana –PR.

Como resumiria o período em que o senhor foi provincial? Quais foram as realizações de maior importância? Quais os desafios?

Foi um período de relativa tranqüilidade em que foi preciso reestruturar a nossa organização em vista do futuro. Assim deixamos algumas paróquias do Paraná e abrimos campos de trabalho em Minas Gerais na Diocese Itabira/Coronel Fabriciano. Iniciamos também o nosso ministério sacerdotal na periferia de São Paulo enfrentando grandes desafios devido a falta total de estrutura naquela região e a rapidez do seu crescimento.

Se tivesse que citar uma alegria e uma tristeza destes 60 anos de sacerdócio, quais seriam?Quais suas devoções? Qual o titulo de Nossa Senhora lhe inspira mais? Qual o santo?

A alegria maior foi para mim a paróquia de Sta Mariana onde tive a felicidade de ver uma comunidade cristã ressurgir do desmazelo total até se tornar uma verdadeira comunidade missionária. Fiquei nela como vigário durante 14 anos e encontrei o apoio e a colaboração total dos leigos em todas as linhas da pastoral. Nela foi possível construir um seminário xaveriano com os recursos de todos e foram criadas comunidades eclesiais de base em toda parte.
A confirmação desta realidade foi provada neste ano, no mês passado, quando fui convidado a celebrar o 50º. ano de minha chegada no Brasil. Embora tivessem passados 24 anos desde a minha saída da paróquia, o povo lotou o ginásio de esportes que tem capacidade para 5 mil pessoas para agradecer e me declarar "cidadão honorário” daquela cidade. Pequena satisfação humana para mim, mas grande honra para eles.
A tristeza foi a noticia da morte da minha mãe na Itália. Tristeza que se tornou fonte de bem para a paróquia. O caso aconteceu assim: Havia uma centena de jovens no salão esperando a minha palestra, no momento de entrar na sala recebo um telegrama com estas simples palavras: “tua mãe morreu". Entrei na sala mas, pela emoção não conseguia falar e os jovens cheios de vitalidade não conseguiam calar.
Então li para eles o telegrama recebido. Fez-se um silêncio total! Daquele momento em diante toda paróquia refloresceu, milagre da comunhão dos santos!
A devoção: Nunca desprezei as devoções particulares do povo porém na minha devoção foi sempre cristocêntrica juntamente á devoção a Nossa Senhora, Sua Mãe, sob o título de Nossa Senhora das Graças, pois foi a Ela que minha mãe me consagrou um dia antes de eu nascer.
O santo: São José porque sempre me acompanhou na vida.

A idade avançada e as dificuldades com a saúde deixam qual mensagem?

Coragem e bom humor!

Como é o seu trabalho no arquivo da congregação? Qual o sentido e o alcance do arquivo?

A finalidade do arquivo é salvar a memória dos muitos confrades que passaram por esta região xaveriana, dos seus trabalhos, obras e sacrifícios e sua dedicação ao povo brasileiro. Seria injusto esquecer a história daqueles que deixaram tudo para se dedicar ao bem do próximo. Além do mais a historia se faz com os documentos e não com as conversas.

Qual a mensagem que o senhor deixaria nesta comemoração de 60 anos de sacerdócio?

A vida é um dom de Deus - Fomos criados para a felicidade. Porém nunca alcançamos a felicidade sozinhos. O egoísta é um infeliz. Depois de 60 anos de serviço ao próximo posso afirmar tranqüilamente: “VALEU A PENA!”.

Em algum momento o senhor duvidou de sua vocação ou de que tivesse feito a escolha certa?

NUNCA!

Existe algum projeto de voltar à Itália?

Nós não temos projetos, só obedecemos!

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