DONA JOANA DA CRUZ LIMA, Homenagem á pioneira do Jardim Glória II







DONA JOANA DA CRUZ LIMA, Homenagem á pioneira do Jardim Glória II
Claudinei Pollesel

Para os amigos do frei Sigrist, para aqueles que vinham ao Jardim Glória buscar ajuda material e espiritual, para seus parentes e amigos de Helvetia ou mesmo da Suíça, a figura da Dona Joana sempre foi presente e até hoje é muito lembrada. Quando alguém me pergunta como esta o Jardim Glória nos dias de hoje, também pergunta invariavelmente como esta Dona Joana, a dona Joaninha.
Quem é Dona Joana?
Lendo o texto da professora Sandra Maria Vacchi: “Tipologia habitacional da favela do Jardim Glória, Piracicaba/SP. O trabalhador no espaço urbano brasileiro”, escrito em 1991, por ocasião do término do curso de História na Universidade Metodista de Piracicaba, pude recolher  estas informações que resgatam um pouco da história de Dona Joana, do Seu Zé de sua família:
“Foi no local reservado para a área verde do loteamento Jardim Glória que a favela começou á se formar em 1975, com a construção de um barraco por este casal de migrantes mineiros, seu Zé e dona Joana, que haviam chegado neste mesmo ano em Piracicaba, pelo trem da Companhia Paulista.
Vieram com os filhos para encontrar amigos conterrâneos que já estavam em Piracicaba. Logo na chegada seu Zé deixa a esposa e filhos na estação do trem e foi procurar os conhecidos. Na estação, com os filhos e de olho nas malas, dona Joana foi abordada por policiais que queriam leva-los para o albergue.  Dona Joana não aceitou e não permitiu que os policiais pegassem as suas malas. Os policiais disseram que eles não poderiam ficar ali como pedintes!  Dona Joana irritou-se e disse aos policiais que não era mulher de pedir de porta em porta e que tinha o que comer e beber. E para provar o que dizia mostrou sua lata cheia de farinha, que era o sustento de toda a família naqueles dias de mudança. Vieram para Piracicaba á procura de serviço para a sua família trabalhar, “lá estava ruim, mas não estava passando fome!”.
Seu Zé encontrou os antigos amigos e se se ajeitaram como foi possível, alugando um cômodo no loteamento do Jardim Glória. Este loteamento surgiu em 1960 e engloba uma grande área que antes pertencia ao senhor Roberto Carvalho.
Da saída de Porteirinha/MG, em 1951 até a chegada á Piracicaba, em 1975 a família Lima, do seu Zé e dona Joana, passou por diversas cidades.
Em Presidente Epitácio/SP, moravam numa roça, perto da cidade e plantavam algodão, milho, feijão e verduras.  A casa onde moravam pertencia aos japoneses.  “Era um barraco de ‘botá’ os empregados”, conta Dona Joana. Na cidade de Garça/SP, moravam numa fazenda, plantando café. A casa nesta fazenda era de alvenaria e ficava próximo á cidade.  Em Rolândia/PR, trabalhavam em fazendas plantando café, milho, mandioca, feijão e arroz. A maioria dos filhos do casal foram criados nesta fazenda.  Moravam em uma casa de madeira e pagavam somente pelo uso da energia elétrica.
A chegada em Piracicaba foi acompanhada por uma grande perda. Neste ano houve uma grande enchente que atingiu aquele cômodo alugado e fez com que perdessem quase tudo. Não tendo condições de continuar pagando aluguel e continuar morando naquele cômodo inundado, Dona Joana procurou então o setor de Assistência Social da Prefeitura de Piracicaba, pedindo autorização para construírem um barraco na área verde do Loteamento  Jardim Glória. Recebeu orientação para que conversassem diretamente com o prefeito, que a ouviu e não autorizou, nem proibiu, deixando que eles mesmos decidissem sobre a construção do barraco.
Entenderam que poderiam dar este passo e levantaram o barraco com muito sacrifício, comprando os materiais necessários. Dona Joana lavava roupas e fazia faxina para os “peões”. Seu Zé era jardineiro na prefeitura.  Assim, aos poucos, compraram todos os materiais necessários, eucaliptos, madeiras, telhas e construíram um barraco de seis cômodos, que serviria para abrigar 11 pessoas.
Várias famílias que tinham necessidades semelhantes ás do casal Lima, também passam a ocupar a área, dando origem a favela do jardim Glória II. No local não havia nenhuma estrutura de saneamento básico. A água tinha que ser buscada num chafariz da Avenida Raposo Tavares, luz não existia e esgoto era á céu aberto, através de fossas. O caminho era feito por trilhas no meio da vegetação existente, ladeando um pequeno córrego. Mesmo assim, com todas estas dificuldades, estas famílias viram que ali seria a casa deles, o lar tão esperado! Que as condições surgiriam e seriam construídas com o tempo”.
Padre Vicente Tonetto, o Padre Vicentão, missionário xaveriano italiano, pároco da recém-criada paróquia de São Francisco Xavier, do Bairro Itapuã, ampara estes seus paroquianos da favela, visitando-os com frequência, socorrendo-os com remédios e alimentos, quando necessários e celebrando a missa na casa de seu Zé e dona Joana. Sua chegada, de motocicleta e com boné, era motivo de alegria e festa. Seu sotaque italiano, de difícil compreensão, era motivo de brincadeiras e chacotas alegres entre as crianças que o amavam. Com muito sacrifício e com a ajuda dos moradores, constrói uma capela de madeira, ali na favela e inicia as celebrações da missa e a catequese das crianças, naquele local improvisado.
Padre Vicente atende as necessidades espirituais e materiais daqueles seus paroquianos, na mesma proporção. Todo tipo de assistência é prestada por ele e pela comunidade dos missionários xaverianos presente na paróquia.
Em 1984, Padre Vicente é procurado pelos frades capuchinhos. Pedem á ele autorização para morarem na favela do Glória e ali construírem uma fraternidade franciscana. Feliz com a proposta, pois sabia o quanto seria bom para aquela gente, pobre e sofrida, a presença destes irmãos, autoriza e incentiva esta iniciativa.
 Assim, em fevereiro de 1985, chegam os frades capuchinhos para iniciarem mais uma experiência de inserção na periferia pobre da Diocese de Piracicaba.  Frei Sigrist, com os postulantes Carlos e Toninho, forma esta primeira comunidade. São recebidos pela Dona Joana, que vende para eles o barraco em frente, que pertencia ao seu filho Isaias. Lá é instalada a Fraternidade Nossa Senhora da Glória, após algumas adaptações mínimas.
Nasce aqui uma amizade fraterna e verdadeira, que não se acabou nem mesmo com a morte! Dona Joaninha chora ainda hoje a morte do amigo frei, do marido Zé, do filho Isaías, mas continua firme e forte no alto de seus 84 anos! Gosta de contar que faz aniversário em maio, mesmo mês que o frei e que ele sempre lembrava e fazia questão de dar uma lembrancinha. Tem em sua sala, a foto de frei Sigrist e da sua cadeira de balanço, conversa com o amigo como se ele estivesse ali, ouvindo. Com memória invejável, lembra e conta todos os passos vividos pela favela do Jardim Glória, que se transformou num bairro mais organizado e estruturado. Quando a fraternidade dos frades saiu da favela, cuidou do barraco, conservando o que foi possível, não permitindo que tomassem posse daquele local. Ela foi a primeira que viu ali, um memorial sagrado, muito mais que só mais um barraco. Mesmo agora, com o barraco restaurado, cercado e conservado, é ela a guardiã, a que tem a chave de acesso. Muito mais que permitir a entrada ao barraco, ao conversar com ela, temos acesso á uma história maravilhosa de um frade que amou o seu povo, como Jesus amou. Temos acesso á história de uma amizade, de vizinhança entre um frade e uma migrante mineira, que nem mesmo a morte conseguiu acabar.
Sua benção, Dona Joaninha! Agradeço ao frei Sigrist que lá do céu me apresentou a senhora para ser a guardiã das maravilhas da presença franciscana no Jardim Glória!


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